A menininha do vestiário...

Havia acabado de sair da aula de natação. Segui em direção à área coletiva de chuveiros do vestiário feminino, separei os itens do banho, escolhi o box, mudei a temperatura (para deixá-lo no quase frio) e liguei a água. 

Antes mesmo de fechar a porta para um pouco de privacidade, observei uma menina de óculos rosa me olhando sem piscar; não sei por quanto tempo ela estava ali. Acho que ela tinha uns oito anos, tinha cabelos castanhos claros e segurava uma calça comprida. Era uma menina muito bonita, que com o olhar me impediu de fechar a porta. Com a cabeça meio tortinha, ela nem piscava.  

Curiosa que sou, disse oi para ela e ela me disse oi de volta. Nunca havia visto ela por lá. E antes mesmo que eu tentasse fechar a porta para tomar banho, ela saiu igual a uma metralhadora: 

- Sabia que eu tomo banho aí também? Seu chinelo é igual da minha mãe. Ela calça 34 e eu brinco com os sapatos dela. Sua bolsa é esta preta? Que bonitinho o chaveiro que tem nela. Hoje eu também nadei nessa piscina aí. Tomei banho aqui hoje e estava brincando na área das crianças. Aí tive que voltar aqui para colocar minha calça! - disse ela, que estava de blusinha, shorts jeans e chinelinhos.

- Está frio lá fora? - respondi para ela. 

- Está nada, está "mó" calor. É que estou com o shorts que fica na casa do meu pai e não posso chegar com ele na casa da minha mãe, senão eles brigam. O que é da casa do meu pai não entra na casa da minha mãe, nem ele, ela fica muito brava. Tenho dois guardas-roupas, sempre tenho que fazer isso e não gosto, passar calor e é muito ruim. Gosto de usar shorts jeans e essa calça de moletom é da minha escola. Eu gosto muito de lá, semana que vem estou em férias... - falou ela em tom de desabafo, abaixando a cabeça e erguendo com um dedo seus óculos que estavam caindo. 

Se ela tinha me paralisado com o olhar fixo, ela me congelou com as palavras. Estava ainda com a porta aberta, com uma das mãos para tirar o maiô e só consegui fechar o chuveiro para não desperdiçar água. E ela continuou:

- Ele é que vem me buscar da natação, sabe? Eles não moram mais juntos, faz pouco tempo que isso aconteceu. Depois meu pai me deixa na porta do prédio e eu subo sozinha. Eu moro em Campinas agora, ele não vai lá porque eles não se falam e agora vou ficar com calor! Queria ficar com meu shorts, mas não posso e não consigo colocar minhas calças... - falou com os olhos estalados, atrás daqueles óculos rosa, tentando por a calça contra a vontade. O vapor do vestiário realmente estava dificultando a vida da pequena. 

- Então aguenta um pouquinho e troque assim que chegar na sua casa. Passa rapidinho, você vai ver! - respondi para ela, tentando deixar o assunto menos pesado.

E ela, abrindo um lindo sorriso, disse-me:

- Não entendo muito bem porque eles brigam por causa do shorts e me obrigam a por a calça quando está calor. Só que eu tiro porque não vou deixar minha mãe nervosa e não quero que meu pai brigue com ela. Eu não quero que fiquem preocupados, tento fazer eles felizes! - disse a garotinha. E sem me dar tempo de respirar, emendou: 

- Queria ficar aqui conversando com você, mas tenho que ir. Que calor! Essa calça não entra direito quando venho aqui, mas vai assim mesmo. E você também me disse que vai passar rapidinho, né? Seu xampú é cor de rosa igual ao meu. Depois você deixa o chuveiro no morno? Não esquece? É que tomo banho nesse chuveiro, moça, e não alcanço aí e odeio água muito quente ou muito fria. Meu pai já deve estar bravo comigo! - disse ela enrolando o shorts e colocando numa sacola plástica.  

E com aquele sorriso lindo, ela veio e me deu um beijo no rosto e foi embora. E eu continuei parada, com uma das mãos ainda na mesma posição do maiô e com a porta do box aberta.

Demorei alguns minutos, pensando na preocupação dela com o bendito shorts e o que deve passar na cabecinha dela, a preocupação em não deixar ninguém nervoso. Pensei, ainda, sobre a necessidade dela se abrir com alguém que nem conhece, o perigo disso para uma garotinha tão bonita e frágil, e como ela se sente em meio a isso tudo. Ao mesmo tempo fiquei pensando em quão madura ela se mostrava, tentando evitar brigas entre os pais recém-separados. Fiquei pensando nela durante todo o banho, em como também deve ser difícil aos pais toda essa situação.

Depois daquele dia sempre deixo aquele chuveiro - que é o predileto dela - no morno, do jeitinho que ela falou que gosta. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Me dá um abraço?

Não sou obrigada...

Apenas dois parágrafos sobre Marina...